Vivemos um momento de grande expansão da Igreja 'Evangélica' no Brasil. Um crescimento sem precedentes alcançando todo o Brasil. Caminhamos pelas principais avenidas das grandes cidades e nos deparamos com muitas igrejas, novas e antigas denominações. Nas pequenas cidades também, no campo, na praia, em todo lugar encontramos crentes. Ligamos o rádio e a TV, e são incontáveis os programas que anunciam o Evangelho. Há convertidos desde as camadas mais humildes da população até as mais abastadas. O movimento evangélico é visto como um segmento que movimenta milhões de reais no mercado editorial, fonográfico e de outros bens e serviços religiosos.
Urge, no entanto, um alerta quanto à qualidade, profundidade e alcance social deste movimento. Um deles diz respeito à leitura da Bíblia. Sabemos que crescemos no amor e no conhecimento de Deus através do estudo e aplicação das Sagradas Escrituras. O que vemos é uma oferta extraordinária de cultos, reuniões, seminários, conferências e encontros, em todo lugar, todos os dias da semana. Isto não significa que o povo está sendo instruído adequadamente nas Escrituras. Senão vejamos: a maior parte dos crentes depende de líderes e pastores que lhe expliquem a Palavra. Esta é uma necessidade premente para novos convertidos, mas o que dizer dos crentes com cinco, dez ou mesmo vinte anos de vida cristã?
Existe a idéia de que Deus fala primeiro e através de homens e mulheres que estudaram num Seminário Teológico e receberam alguma ordenação formal. Estes líderes treinados nas línguas originais, na exegese, na hermenêutica e homilética se tornam intérpretes da Palavra de Deus para a maior parte dos crentes. E passam a impressionar muito mais pela sua oratória, retórica e erudição do que pelo conteúdo e pela vida.
De um lado, vemos crentes que se acomodam sem desenvolver uma prática pessoal de estudo bíblico para que Deus fale com eles diretamente. Tornam-se dependentes de líderes para lerem suas Bíblias, só ouvem a voz de Deus de segunda mão, e não mais cultivam uma relação pessoal com Aquele que pode falar diretamente com eles através de sua Palavra. Do outro lado, vemos pastores e líderes que pregam e ensinam seis, sete vezes por semana e se tornam profissionais da Palavra. Depois de dez, vinte anos fazendo isso, já não lêem mais a Bíblia para si mesmos e não precisam sequer orar para preparar um sermão.
Então retornamos àquilo que a Reforma pretendeu reformar, o clericalismo. Apesar de nos acharmos diferentes da Igreja Católica, não somente temos nossos sacerdotes cuja oração e revelação são praticamente inatingíveis para a maior parte dos crentes, como também temos nossa hierarquia com bispos e apóstolos. O mesmo fenômeno ocorre no louvor, onde a figura do dirigente ocupa este lugar de intermediação entre Deus e os homens.
Acontece, então, como nos ensina a Bíblia, que crentes há um certo tempo, que poderiam se nutrir de alimento sólido, permanecem tomando leite. O alimento sólido é para o adulto, que sai de casa, vai para a feira, escolhe os ingredientes, volta, prepara, cozinha e leva a refeição à mesa, considerando uma dieta balanceada de proteínas, carboidratos, sais minerais e vitaminas. O leite, não, é uma mamadeira dada por alguém, fácil de digerir, alimento para crianças. Quando não temos uma vida devocional pessoal, de oração e estudo das Escrituras, transferimos para os líderes a função de nos nutrir. E assim continuamos tomando mamadeira.
É tempo de a Igreja ensinar que não precisamos de intermediários para ouvir a voz de Deus. Reconhecemos nossos pastores e líderes como aqueles que Deus levanta para orientar e guiar, e cuja função principal é a de amadurecer os crentes, tornando-os adultos na fé. Que não sejamos mais infantis, dependendo da instrução e dos limites de líderes, mas cresçamos como adultos, andando com nossas próprias pernas na fé, na esperança e no amor.
Osmar Ludovico, extraído do livro “MEDITATIO”, de São Paulo, Mundo Cristão – 2007 , Páginas 146-148.
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