Quando se proclamou, ao final de séculos esquecidos, que a espera havia terminado; que a cabeça da serpente agora seria esmagada; que o desejado das nações havia chegado; que no mundo em trevas havia brilhado intensa luz; que antigas promessas se haviam cumprido; que Deus havia visitado seu povo; que em Belém da Judeia havia nascido o Salvador – quando tudo isso se consumava em uma humilde estrebaria, momentaneamente banhada de luz e esperança, em meio à exultação de animado coro celestial, sim, naquele momento, juntamente com o repouso de Maria descansou também toda a Antiguidade.
Era o encerramento do tempo de preparação, tempo dos pais, profetas e poetas; tempo dos antigos registros que saudavam, ao longe, o advento do Messias.
Sim, finalmente ali estava ele, na humilde manjedoura. Mas não era o fim; era apenas o fechamento de um longo ciclo. E a abertura de outro.
O primeiro, vivido debaixo do sol, com gemidos e dores; e aguardando a inauguração do tempo que apontaria para cima do sol, para uma nova criação, onde tudo haveria de ser como havia sido planejado.
Aquele que veio haveria de inaugurar, em seu próprio corpo, uma nova humanidade; esta, incorruptível, sendo Ele mesmo a primícia da criação restaurada. E que abriria o caminho para Deus e para o céu, no qual penetrou na condição de Filho de Deus e de Adão. O primeiro de nós!
Esse fato inusitado repercutiu em toda a humanidade. A história, depois do advento de Jesus, mudou tudo de modo extraordinário. Mudou de direção, de coração, de conteúdo e de propósito! Já não se espera mais pela visitação; já não se vive nas trevas da ignorância de Deus; já não se chora a ausência de sentido da vida. Agora caminha-se para o céu; agora vive-se como cidadão do céu. Agora somos filhos, somos irmãos, somos corpo, somos povo. E somos sacerdotes; somos colaboradores de Deus, no grande chamado da reconciliação. Agentes de um novo reino, que se instala, com seus valores, significados e símbolos, sobre o velho mundo. Sim, o teu Deus reina!
Deste modo, o mundo aprendeu, mesmo sem saber, a encerrar seus ciclos e iniciar outros. Mesmo para os não cristãos o Natal sugere esse momento profundo de renovação. O velho ficou. O novo nasceu. Vivamos o novo, da melhor maneira possível, sem esquecer as lições que o velho nos deixou.
Para os brasileiros, este Natal oferecerá uma oportunidade particular de renovação. Tenho em mente a pandemia da Covid, nossa polarizada política, nossa combalida economia, nossa dividida sociedade e nossas estremecidas amizades. Certamente outros ciclos povoarão a mente dos meus leitores.
Penso que, inspirados pelo nascimento de Jesus, devemos encerrar nossos lutos, isolamentos, iras, discórdias e mágoas e buscar as forças e esperanças que vêm de cima do sol. Do lugar onde Cristo vive. É tempo de renovação. É tempo de nova vida, em Deus. Sem escapismos, claro; afinal, o mundo não parou e temos boletos para pagar. Mas também sem a sombra e a regência do que já passou.
Que neste Natal Deus visite o Brasil! E, de modo especial, a sua igreja!
Rubem Amorese é presbítero na Igreja Presbiteriana do Planalto, em Brasília. Foi professor na Faculdade Teológica Batista por vinte anos e consultor legislativo no Senado Federal. É autor de, entre outros, Fábrica de Missionários e Ponto Final.
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