Eia, vamos, pobre homem! Foge um pouco às tuas ocupações, esconde-te dos teus pensamentos tumultuados, afasta as tuas graves preocupações e deixa de lado as tuas trabalhosas inquietudes. Busca, por um momento, a Deus e descansa um pouco nele. Entra no esconderijo da tua mente, aparta-te de tudo, exceto de Deus e daquilo que pode levar-te a ele, e, fechada a porta, procura-o. Abre a ele todo o teu coração e dize-lhe: “Quero teu rosto; busco com ardor o teu rosto, ó Senhor” (Salmo 27.8).
Eis-me, ó Senhor meu Deus, ensina, agora, ao meu coração onde e como procurar-te, onde e como encontrar-te. Senhor, se não estás aqui, na minha mente, se estás ausente, onde poderei encontrar-te? Senhor, se estás por toda parte, por que não te vejo aqui? Certamente habitas uma luz inacessível. Mas onde está essa luz inacessível? E como chegar a ela? Quem me levará até lá e me introduzirá nessa morada cheia de luz para que ali possa enxergar-te?
Nunca te vi, ó Senhor meu Deus. Senhor, eu não conheço o teu rosto. Que fará, ó Senhor, que fará este teu servo tão afastado de ti? Que fará este teu servo tão ansioso pelo teu amor e, no entanto, lançado tão longe de ti? Anela ver-te, mas teu rosto está demasiado longe dele. Deseja aproximar-te de ti, mas a tua habitação é inacessível. Arde pelo desejo de encontrar-te, e não sabe onde moras. Suspira só por ti, e não conhece o teu rosto. Ó Senhor, tu és o meu Deus e o meu Senhor, e nunca te vi. Tu me fizeste e resgataste, e tudo o que tenho de bom devo-o a ti; no entanto, não te conheço ainda. Fui criado para ver-te, e até agora não consegui aquilo para que fui criado.
(…) E tu, Senhor, até quando, até quando, ó Senhor, ficarás esquecido de nós? Até quando conservarás o teu rosto afastado de nós? Quando iluminarás os nossos olhos e nos mostrarás teu rosto? Quando voltarás a nós? Olha para nós, ó Senhor. Escuta-nos, ilumina os nossos olhos, mostra-te a nós. Volta para junto de nós, a fim de termos, novamente, a felicidade, pois, sem ti, só há dores para nós. Tem piedade de nossos sofrimentos e esforços para chegar a ti, pois, sem ti, nada podemos. Convida-nos, ajuda-nos, Senhor. Rogo-te que o meu desespero não destrua este meu suspirar por ti, mas respire dilatado meu coração na esperança. Rogo-te, ó Senhor, consoles o meu coração amargurado pela desolação. Suplico-te, ó Senhor, não me deixes insatisfeito após começar a tua procura com tanta fome de ti. Famélico, dirigi-me a ti: não permitas que volte em jejum. Pobre e miserável que sou, fui em busca do rico e misericordioso: não permitas que retorne sem nada, e decepcionado. E se suspiro antes de comer, faze com que eu tenha a comida após os suspiros.
Ó Senhor, encurvado como sou, nem posso ver senão a terra: ergue-me, pois, para que possa fixar com os olhos o alto. As minhas iniquidades elevaram-se por cima da minha cabeça, rodeiam-me por toda parte e me oprimem como um fardo pesado. Livra-me delas, alivia-me desse peso, para que eu não fique encerrado como num poço. Seja-me permitido enxergar a tua luz, embora de tão longe e desta profundidade. Ensina-me como procurar-te e mostra-te a mim que te procuro. Pois, sequer posso procurar-te se não me ensinares a maneira, nem encontrar-te se não te mostrares. Que eu possa procurar-te desejando-te, e desejar-te ao procurar-te, e encontrar-te amando-te, e amar-te ao te encontrar.
Ó Senhor, reconheço e te rendo graças por teres criado em mim esta tua imagem, a fim de que, ao recordar-me de ti, eu pense em ti e te ame. Mas ela está tão apagada em minha mente por causa dos vícios, tão embaciada pela névoa dos pecados, que não consegue alcançar o fim para o qual a fizeste, a menos que tu a renoves e a reformes. Não tento, ó Senhor, penetrar a tua profundidade. De maneira alguma a minha inteligência amolda-se a ela, mas desejo, ao menos, compreender a tua verdade, que o meu coração crê e ama. Com efeito, não busco compreender para crer, mas creio para compreender. Efetivamente creio, se não cresse, não conseguiria compreender.
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