"Temos esta Esperança como âncora da alma, firme e segura, a qual adentra o santuário interior, por trás do véu, onde Jesus que nos precedeu, entrou em nosso lugar..." (Hebreus 6.19,20a)

quarta-feira, 25 de dezembro de 2013

JESUS, O DEUS MENINO por Ed René Kivitz

"Todo menino quer ser homem.

Todo homem quer ser rei.


Todo rei quer ser Deus.

Só Deus quis ser menino".


Essas palavras de Leonardo Boff ganharam meu coração nesse Natal. Imediatamente lembrei o que a Bíblia diz sobre Jesus menino:

"Porque um menino nos nasceu, um filho nos foi dado, e o governo está sobre os seus ombros. E ele será chamado Maravilhoso Conselheiro, Deus Poderoso, Pai Eterno, Príncipe da Paz". Isaías 9.6

"O lobo viverá com o cordeiro, o leopardo se deitará com o bode, o bezerro, o leão e o novilho gordo pastarão juntos; e uma criança os guiará". Isaías 11.6

"Mas quando os chefes dos sacerdotes e os mestres da lei viram as coisas maravilhosas que Jesus fazia e as crianças gritando no templo: "Hosana ao Filho de Davi", ficaram indignados, e lhe perguntaram: "Não estás ouvindo o que estas crianças estão dizendo? " Respondeu Jesus: "Sim, vocês nunca leram: ‘dos lábios das crianças e dos recém-nascidos suscitaste louvor'?" Mateus 21.15,16, citando o Salmo 8.2

"Naquele momento os discípulos chegaram a Jesus e perguntaram: "Quem é o maior no Reino dos céus? " Chamando uma criança, colocou-a no meio deles, e disse: "Eu lhes asseguro que, a não ser que vocês se convertam e se tornem como crianças, jamais entrarão no Reino dos céus. Portanto, quem se faz humilde como esta criança, este é o maior no Reino dos céus". Mateus 18.1-4

"O povo também estava trazendo criancinhas para que Jesus tocasse nelas. Ao verem isto, os discípulos repreendiam os que as tinham trazido. Mas Jesus chamou a si as crianças e disse: "Deixem vir a mim as crianças e não as impeçam; pois o Reino de Deus pertence aos que são semelhantes a elas. Digo-lhes a verdade: Quem não receber o Reino de Deus como uma criança, nunca entrará nele". Lucas 18.15-17

Ouvi  Jesus  convidando: “Torne-se menino. Eu fui menino”.

Perguntei: Por que a criança é o paradigma daquele que enxerga, discerne, experimenta e participa do reino de Deus?

Os estudiosos da Bíblia sugerem duas possibilidades. A primeira é que as crianças representam as virtudes que Deus espera ver nos adultos, como pureza, simplicidade, ingenuidade. Mas não é menos verdadeiro que essas são mais propriamente características que devem ser deixadas para trás do que virtudes que devem ser desenvolvidas. Paulo, apóstolo, diz que “não devemos ser como meninos imaturos” (Efésios 4.11-16), e que a vida adulta exige o desapego das coisas de menino (I Coríntios 13.11). Jesus também ensinou que ingênuos não sobrevivem no meio de lobos, e por isso devemos ser “simples como a pomba e prudentes como a serpente” (Mateus 10.16). Quanto à pureza das crianças, convenhamos, todas elas sabem ser egocêntricas e são naturalmente manipuladoras e agressivas quando se trata de fazer valer suas vontades. Você pode dizer que aprendem com os adultos, mas aprendem rápido, de modo que atribuir grandeza moral às crianças é sim ingenuidade. Virtude exige maturidade, disciplina, esforço, sofrimento – crescemos porque padecemos.

Outra possibilidade de interpretação para o fato de ser a criança o modelo para quem deseja viver no reino de Deus é que ela simboliza os pequeninos. “Deixai vir a mim os pequeninos” significaria “não impeçam que os que sofrem se acheguem a mim”. Jesus ensinou que os que têm fome, sede, estão doentes e injustamente encarcerados são os pequeninos a quem servimos sem saber que agimos em favor do próprio Cristo (Mateus 25.40). Mas também é verdade que Jesus não foi menino no sentido de ser vítima das circunstâncias e das contingências. Jesus padeceu voluntariamente, com lucidez, ciente do propósito de seu sofrimento, que enfrentou com singular coragem e grandeza de espírito.

O contraste entre homem, rei, Deus e menino perdurou no meu coração e minhas perguntas não foram respondidas pelos estudiosos da Bíblia. Mergulhei no silêncio e esperei que a Palavra viva encontrasse o caminho do meu coração e respondesse minhas perguntas: Por que devo ser menino? o que significa se fazer menino? de que maneira Deus foi menino?

Duas verdades explodiram dentro de mim. A primeira, a respeito da condição da criança. A segunda, a respeito da qualidade de relação própria da criança.

Imaginei uma conversa entre as Pessoas da Santíssima Trindade ocorrida na eternidade. Jesus olha para o Pai e diz: “Eu me esvazio, abro mão das minhas prerrogativas divinas, e mergulho na mais vulnerável condição humana. Vou ao ventre de uma mulher. Vou ao colo e ao seio de Maria. Aceito me fazer menino”.

O ato voluntário de Jesus implica a disposição de colocar-se sob o cuidado alheio. Uma criança, ou recebe cuidado, ou morre. Dos recém nascidos, o ser humano é o que exige maiores e complexos cuidados, e por mais tempo. Ser criança é ser vulnerável. Ser menino é ser dependente do pai, da mãe e tantos outros cuidadores. O ato de Jesus implica dizer ao Pai: “Eu me entrego absolutamente aos teus cuidados. Abandono-me em tuas mãos. Fico à tua disposição. Inteiramente dependente do teu amor. Completamente à mercê do teu caráter justo e bom”.

Lembrei de quantas vezes ao longo desse ano me percebi como criança encolhida em posição fetal, acolhida na palma da mão de Deus, minha manjedoura. Não me acovardei, não fugi da vida, não abri mão das minhas responsabilidades, não deixei de encarar o ônus que o sagrado direito de viver impõe. Apenas admiti minha finitude, minha impotência, minha incapacidade e meus limites diante das cruéis e sublimes dimensões da existência. As injustiças das sociedades humanas marcadas pela destruição e ganância, e a maravilha do universo em expansão me mostraram meu real tamanho, e me fizeram orar suplicante. O peso da maldade contra mim, a vergonha do mal que me habita, a inconstância dos meus pensamentos e sentimentos, a perplexidade em momentos de confusão e conflitos, a impotência diante dos paradoxos da vida, as demandas dos que me buscam clamando por socorro, me fizeram muitas e muitas vezes correr para as mãos de Deus e me entregar em absoluta dependência, como um menino que se derrama no colo do pai, despido de qualquer vergonha por ser ainda menino.

Sei que sou homem. Sei que sou rei. Sei que o Espírito de Deus habita em mim. Mas sei que sou menino. Não me ofendo quando ouço meu Pai dizer que não sou capaz de sustentar a existência com minhas próprias forças, encarar o mundo com minha própria sabedoria, resolver a vida com minha pretensa onipotência. O estado de criatura, e o sentimento de dependência não me causam revolta. A consciência de ser “homem insuficiente” me coloca de joelhos. Na verdade, me faz correr repetidas vezes para o refúgio seguro dos cuidados do meu Pai Celestial.

Essas imagens trouxeram para mim a lembrança de que assim Jesus nos ensinou a orar: Abba, Abba Pai. Oração é palavra do afeto. Abba é o balbuciar da criança que ainda não aprendeu a falar. Abba é a expressão da criança que sabe quem é seu pai, mas não sabe nada a respeito dele. Abba é a palavra da intimidade supra racional e anterior a qualquer elaboração de raciocínio e valoração. Abba é o impulso da criança que, diante de tantos braços estendidos e faces convidativas, sabe exatamente o colo ao qual deve se entregar. Esse é o meu pai, aqui estou seguro, aqui é o meu lugar, diz a criança que sabe do seu Abba.

Carrego comigo mais perguntas do que respostas, sou como Riobaldo, “quase de nada não sei, mas desconfio de muita coisa”. Mas nada me impede de crer. Sei dos argumentos contra a fé, enxergo as mazelas da religião, conheço cada canto do labirinto da dúvida. Mas nada disso me impede de crer. Minha relação com o Abba prescinde da lógica, pois repousa no afeto. Há muita que desconheço. Mas sei que tribulação, angústia, perseguição, fome, nudez, perigo, espada não me separam do afeto do Abba. Sei que "nem morte nem vida, nem anjos nem demônios, nem o presente nem o futuro, nem quaisquer poderes, nem altura nem profundidade, nem qualquer outra coisa na criação é capaz de me separar do amor de Deus que está em Cristo Jesus, meu Senhor".

Ouvi Jesus convidando: “Seja menino. Eu fui menino”. E então compreendi o que ele me dizia: “Entregue-se completamente aos cuidados do Abba, e nunca, nunca, nunca, em tempo algum, e por qualquer razão, duvide enquanto Ele sussurra ao seu ouvido: Você é meu filho amado, em quem eu tenho prazer”.

Então respondi em oração.

Eis-me aqui, Abba, disposto a crescer e ser homem à imagem de teu filho Jesus.
Eis-me aqui, Abba, disposto a ser rei, para que tua vontade seja feita na terra como no céu.
Eis-me aqui, Abba, ansioso para participar de tua natureza divina.
Mas, verdadeiramente, eis-me aqui, Abba, menino, completamente entregue ao teu cuidado, vivendo no teu amor.
Eis-me aqui, Abba, o meu coração não é orgulhoso e os meus olhos não são arrogantes. Não me envolvo com coisas grandiosas nem maravilhosas demais para mim. Acalmei e tranqüilizei a minha alma. Sou como menino recém-amamentado por sua mãe. A minha alma é como essa criança. Somente em Ti está a minha esperança, desde agora e para sempre!

Ed René Kivitz


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NATAL


quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

O QUE VEM DEPOIS DA GRAÇA? por Ricardo Barbosa

Cresci ouvindo amigos de formação dispensacionalista afirmando que o tempo da lei passou e que agora vivemos o tempo da graça. Eles diziam que o Antigo Testamento, com suas leis e mandamentos, dera lugar ao Novo Testamento, em quetudo se resume no amor de Deus, um amor sem exigências, que nos aceita como somos; que o Deus justo e temível da antiga dispensação dera lugar ao Jesus manso e misericordioso da nova dispensação. Um tipo de evolucionismo divino.

O dispensacionalismo foi muito criticado e combatido. No entanto, o que vemos hoje é o seu reconhecimento, não apenas pelos que creem nas diferentes dispensações na história da salvação, mas, sobretudo, pelos cristãos pós-modernos, que rejeitam mandamentos, leis ou qualquer chamado à obediência. O que importa é o amor. É preciso sentir-se amado para então amar. É preciso sentir-se aceito para então obedecer. O problema é que nunca se sentem suficientemente amados ou aceitos.

No livro “Uma Força Medonha”, C. S. Lewis descreve um diálogo entre Ranson e Jane sobre casamento. Ela achava difícil confiar no marido porque sentia que já não o amava mais. Ranson então lhe diz: “A senhora não deixou de obedecer por falta de amor, mas perdeu o amor porque nunca tentou obedecer”. A relação entre o amor e a obediência é intensa e vital. Jesus também afirmou: “Aquele que tem os meus mandamentos e os guarda, esse é o que me ama” (Jo 14.21).

A ruptura que muitos cristãos fazem entre o Antigo e o Novo Testamento, entre lei e graça, entre mandamento e amor, compromete tragicamente a formação do caráter cristão. O processo que envolve o crescimento e o amadurecimento cristão requer obediência consciente e diligente. Uma passagem bíblica que expressa bem isto está em 2 Pedro 1.4-7: “[...] ele nos deu as suas grandes e preciosas promessas, para que por elas vocês se tornassem participantes da natureza divina e fugissem da corrupção que há no mundo [...]. Por isso mesmo, empenhem-se para acrescentar à sua fé a virtude, à virtude o conhecimento; ao conhecimento o domínio próprio [...]”.

As promessas foram cumpridas em Cristo. O propósito de Deus para o ser humano foi revelado. O caminho do crescimento espiritual foi escancarado com a vida, morte e ressurreição de Cristo. Maturidade cristã é tornar-se participante da natureza divina, revelada em Cristo. É por causa disso que devemos abandonar a corrupção que existe no mundo e nos entregar, deliberadamente, às virtudes, ao domínio próprio, à perseverança e a tudo o que nos leva a ser semelhantes a Cristo.

É possível fazer isto sozinho? Não. Jesus afirmou: “[...] sem mim nada podeis fazer” (Jo 15.5). Somente a graça de Deus pode realizar isto em nós. Porém, se eu nada fizer, nada será feito. É aqui que a obediência e o amor se encontram na experiência da fé. Os mandamentos de Deus não são uma negação de sua graça e amor, são sua afirmação. É a obediência aos mandamentos que nos leva a experimentar o amor divino.

Pedro afirma que precisamos nos empenhar para acrescentar à nossa fé a virtude, o domínio próprio, a perseverança, a piedade, a fraternidade e o amor. Sou eu que tenho de me empenhar. A responsabilidade é minha. Ninguém fará isto por mim. Consigo fazer isto por conta própria? Não. Preciso da graça de Deus. Contudo, se eu não me esforçar para fazer, nada será feito.

A formação do caráter cristão requer uma experiência intensa e poderosa com a graça de Deus. Deus, em Cristo, nos revelou seu amor, cumprindo por meio dele todas as promessas. Fomos salvos, regenerados e transportados do império das trevas para o seu reino de amor, justiça e paz. O caminho foi trilhado por ele, ele é o primogênito da nova criação. Sua vida consistiu em fazer a vontade do Pai e realizar a sua obra.

A formação do caráter cristão requer a mesma obediência aos mandamentos de Deus. Um cristão passivo e apático jamais experimentará o real significado da graça divina e, mais cedo do que imagina, perceberá a fragilidade de seu amor por Deus. Não deixamos de obedecer a Deus por falta de amor, deixamos de amá-lo por não obedecer-lhe.

• Ricardo Barbosa de Sousa é pastor da Igreja Presbiteriana do Planalto e coordenador do Centro Cristão de Estudos, em Brasília. É autor de “Janelas para a Vida” e “O Caminho do Coração”.