"Temos esta Esperança como âncora da alma, firme e segura, a qual adentra o santuário interior, por trás do véu, onde Jesus que nos precedeu, entrou em nosso lugar..." (Hebreus 6.19,20a)

sábado, 1 de agosto de 2020

Casamento em Resistência e Submissão | Por Maurício Avoletta Júnior

Stat Crux Dum Volvitur Orbis
(A Cruz permanece intacta enquanto o mundo dá voltas)

Há uma coletânea de cartas e sermões de Dietrich Bonhoeffer, o teólogo alemão que morreu em um campo de concentração nazista, chamada Resistência e Submissão. Nela, somos apresentados a escritos de um Bonhoeffer que, mais do que uma figura de resistência ao nazismo, tornou-se um exemplo de resistência à sociedade secularizada. Ele vivenciou o pior do ser humano e sentiu na pele os males do secularismo, mas, ainda assim, se posicionou como parte da resistência.

Da Igreja primitiva à Igreja Confessante da segunda grande guerra, sempre fomos resistência a algum aspecto da cultura vigente. Fomos, por diversas vezes, resistência ao Estado, às culturas pagãs, às perseguições e, mais recentemente, ao secularismo. Contudo, embora nossa resistência seja dinâmica, nossa submissão não é; ela sempre foi e sempre será ao senhorio de Cristo. Resistimos ao tempo e nos submetemos à vontade de Deus.

Hoje em dia, um dos modos de resistência e subversão sistêmica é o casamento. Em uma cultura hedonista e egocêntrica, escolher, deliberadamente, viver em função de uma outra pessoa é a maior ofensa ao sistema e ao Zeitgeist. Desejar, como casal, conformar-se à imagem de Cristo, mais do que um ato de resistência, é incitar uma revolução nas bases de uma sociedade moribunda.

O casamento é a figura sacramental do relacionamento de Jesus Cristo com sua noiva, a Igreja. É nele que somos moldados e transformados segundo a boa, perfeita e agradável vontade de Deus. É nele que somos guiados por Nosso Senhor à santidade. Mais do que um relacionamento baseado em sentimentos, paixões e desejos sexuais, o casamento é um relacionamento baseado na caridade, no amor. Não o amor cor de rosa e hollywoodiano, mas o verdadeiro amor que se doa e busca o bem do outro em primeiro lugar.

Em uma época onde adultos agem como adolescentes e adolescentes agem como crianças, escolher amadurecer e viver os planos de Deus é optar pela subversão. Desejar uma vida ordinária e comum em detrimento de uma extraordinária, cheia de aventuras e de situações propícias para a divulgação em redes sociais, é nadar contra a correnteza de um mundo secularizado e sem esperanças.

A subversão de Bonhoeffer foi submeter-se ao senhorio de Cristo, num mundo onde todos estavam se submetendo às ideologias. A subversão de nossa época é mostrar que existem valores eternos e inegociáveis. É mostrar que nossa existência é submissa à vontade de Deus e não às tendências do momento. De fato, a vida do cristão sempre foi e sempre será, até a volta de Nosso Senhor, marcada de resistências ao espírito de nossas respectivas épocas e submissão ao senhorio de Cristo.

Maurício Avoletta Junior, 25 anos. Congrega na Igreja Batista Fonte de Sicar (SP). Formado em Teologia pela Mackenzie, estudante de filosofia e literatura (por conta própria); apaixonado por livros, cinema e música; escravo de Cristo, um pessimista em potencial e um futuro “seja o que Deus quiser”.

domingo, 15 de março de 2020

A IGREJA DO DIABO - Machado de Assis (um conto)

CAPÍTULO I -
DE UMA IDÉIA MIRÍFICA 

Conta um velho manuscrito beneditino que o Diabo, em certo dia, teve a idéia de fundar uma igreja. Embora os seus lucros fossem contínuos e grandes, sentia-se humilhado com o papel avulso que exercia desde séculos, sem organização, sem regras, sem cânones, sem ritual, sem nada. Vivia, por assim dizer, dos remanescentes divinos, dos descuidos e obséquios humanos. Nada fixo, nada regular. Por que não teria ele a sua igreja? Uma igreja do Diabo era o meio eficaz de combater as outras religiões, e destruí-las de uma vez. - Vá, pois, uma igreja, concluiu ele. Escritura contra Escritura, breviário contra breviário. Terei a minha missa, com vinho e pão à farta, as minhas prédicas, bulas, novenas e todo o demais aparelho eclesiástico. O meu credo será o núcleo universal dos espíritos, a minha igreja uma tenda de Abraão. E depois, enquanto as outras religiões se combatem e se dividem, a minha igreja será única; não acharei diante de mim, nem Maomé, nem Lutero. Há muitos modos de afirmar; há só um de negar tudo. Dizendo isto, o Diabo sacudiu a cabeça e estendeu os braços, com um gesto magnífico e varonil. Em seguida, lembrou-se de ir ter com Deus para comunicar-lhe a idéia, e desafiá-lo; levantou os olhos, acesos de ódio, ásperos de vingança, e disse consigo: - Vamos, é tempo. E rápido, batendo as asas, com tal estrondo que abalou todas as províncias do abismo, arrancou da sombra para o infinito azul. 

II - ENTRE DEUS E O DIABO

Deus recolhia um ancião, quando o Diabo chegou ao céu. Os serafins que engrinaldavam o recém-chegado, detiveram-no logo, e o Diabo deixou-se estar à entrada com os olhos no Senhor. - Que me queres tu? perguntou este. - Não venho pelo vosso servo Fausto, respondeu o Diabo rindo, mas por todos os Faustos do século e dos séculos. - Explica-te. - Senhor, a explicação é fácil; mas permiti que vos diga: recolhei primeiro esse bom velho; dai-lhe o melhor lugar, mandai que as mais afinadas cítaras e alaúdes o recebam com os mais divinos coros... - Sabes o que ele fez? perguntou o Senhor, com os olhos cheios de doçura. - Não, mas provavelmente é dos últimos que virão ter convosco. Não tarda muito que o céu fique semelhante a uma casa vazia, por causa do preço, que é alto. Vou edificar uma hospedaria barata; em duas palavras, vou fundar uma igreja. Estou cansado da minha desorganização, do meu reinado casual e adventício. É tempo de obter a vitória final e completa. E então vim dizer-vos isto, com lealdade, para que me não acuseis de dissimulação... Boa idéia, não vos parece? - Vieste dizê-la, não legitimá-la, advertiu o Senhor, - Tendes razão, acudiu o Diabo; mas o amor-próprio gosta de ouvir o aplauso dos mestres. Verdade é que neste caso seria o aplauso de um mestre vencido, e uma tal exigência... Senhor, desço à terra; vou lançar a minha pedra fundamental. - Vai - Quereis que venha anunciar-vos o remate da obra? - Não é preciso; basta que me digas desde já por que motivo, cansado há tanto da tua desorganização, só agora pensaste em fundar uma igreja? O Diabo sorriu com certo ar de escárnio e triunfo. Tinha alguma idéia cruel no espírito, algum reparo picante no alforje da memória, qualquer coisa que, nesse breve instante da eternidade, o fazia crer superior ao próprio Deus. Mas recolheu o riso, e disse: - Só agora concluí uma observação, começada desde alguns séculos, e é que as virtudes, filhas do céu, são em grande número comparáveis a rainhas, cujo manto de veludo rematasse em franjas de algodão. Ora, eu proponho-me a puxá-las por essa franja, e trazê- las todas para minha igreja; atrás delas virão as de seda pura... - Velho retórico! murmurou o Senhor. - Olhai bem. Muitos corpos que ajoelham aos vossos pés, nos templos do mundo, trazem as anquinhas da sala e da rua, os rostos tingem-se do mesmo pó, os lenços cheiram aos mesmos cheiros, as pupilas centelham de curiosidade e devoção entre o livro santo e o bigode do pecado. Vede o ardor, - a indiferença, ao menos, - com que esse cavalheiro põe em letras públicas os benefícios que liberalmente espalha, - ou sejam roupas ou botas, ou moedas, ou quaisquer dessas matérias necessárias à vida... Mas não quero parecer que me detenho em coisas miúdas; não falo, por exemplo, da placidez com que este juiz de irmandade, nas procissões, carrega piedosamente ao peito o vosso amor e uma comenda... Vou a negócios mais altos... Nisto os serafins agitaram as asas pesadas de fastio e sono. Miguel e Gabriel fitaram no Senhor um olhar de súplica, Deus interrompeu o Diabo. - Tu és vulgar, que é o pior que pode acontecer a um espírito da tua espécie, replicou-lhe o Senhor. Tudo o que dizes ou digas está dito e redito pelos moralistas do mundo. É assunto gasto; e se não tens força, nem originalidade para renovar um assunto gasto, melhor é que te cales e te retires. Olha; todas as minhas legiões mostram no rosto os sinais vivos do tédio que lhes dás. Esse mesmo ancião parece enjoado; e sabes tu o que ele fez? - Já vos disse que não. - Depois de uma vida honesta, teve uma morte sublime. Colhido em um naufrágio, ia salvar-se numa tábua; mas viu um casal de noivos, na flor da vida, que se debatiam já com a morte; deu-lhes a tábua de salvação e mergulhou na eternidade. Nenhum público: a água e o céu por cima. Onde achas aí a franja de algodão? - Senhor, eu sou, como sabeis, o espírito que nega. - Negas esta morte? - Nego tudo. A misantropia pode tomar aspecto de caridade; deixar a vida aos outros, para um misantropo, é realmente aborrecê-los... - Retórico e sutil! exclamou o Senhor. Vai; vai, funda a tua igreja; chama todas as virtudes, recolhe todas as franjas, convoca todos os homens... Mas, vai! vai! Debalde o Diabo tentou proferir alguma coisa mais. Deus impusera-lhe silêncio; os serafins, a um sinal divino, encheram o céu com as harmonias de seus cânticos. O Diabo sentiu, de repente, que se achava no ar; dobrou as asas, e, como um raio, caiu na terra. 

III- A BOA NOVA AOS HOMENS 

Uma vez na terra, o Diabo não perdeu um minuto. Deu-se pressa em enfiar a cogula beneditina, como hábito de boa fama, e entrou a espalhar uma doutrina nova e extraordinária, com uma voz que reboava nas entranhas do século. Ele prometia aos seus discípulos e fiéis as delícias da terra, todas as glórias, os deleites mais íntimos. Confessava que era o Diabo; mas confessava-o para retificar a noção que os homens tinham dele e desmentir as histórias que a seu respeito contavam as velhas beatas. - Sim, sou o Diabo, repetia ele; não o Diabo das noites sulfúreas, dos contos soníferos, terror das crianças, mas o Diabo verdadeiro e único, o próprio gênio da natureza, a que se deu aquele nome para arredá-lo do coração dos homens. Vede-me gentil a airoso. Sou o vosso verdadeiro pai. Vamos lá: tomai daquele nome, inventado para meu desdouro, fazei dele um troféu e um lábaro, e eu vos darei tudo, tudo, tudo, tudo, tudo, tudo... Era assim que falava, a princípio, para excitar o entusiasmo, espertar os indiferentes, congregar, em suma, as multidões ao pé de si. E elas vieram; e logo que vieram, o Diabo passou a definir a doutrina. A doutrina era a que podia ser na boca de um espírito de negação. Isso quanto à substância, porque, acerca da forma, era umas vezes sutil, outras cínica e deslavada. Clamava ele que as virtudes aceitas deviam ser substituídas por outras, que eram as naturais e legítimas. A soberba, a luxúria, a preguiça foram reabilitadas, e assim também a avareza, que declarou não ser mais do que a mãe da economia, com a diferença que a mãe era robusta, e a filha uma esgalgada. A ira tinha a melhor defesa na existência de Homero; sem o furor de Aquiles, não haveria a Ilíada: "Musa, canta a cólera de Aquiles, filho de Peleu"... O mesmo disse da gula, que produziu as melhores páginas de Rabelais, e muitos bons versos do Hissope; virtude tão superior, que ninguém se lembra das batalhas de Luculo, mas das suas ceias; foi a gula que realmente o fez imortal. Mas, ainda pondo de lado essas razões de ordem literária ou histórica, para só mostrar o valor intrínseco daquela virtude, quem negaria que era muito melhor sentir na boca e no ventre os bons manjares, em grande cópia, do que os maus bocados, ou a saliva do jejum? Pela sua parte o Diabo prometia substituir a vinha do Senhor, expressão metafórica, pela vinha do Diabo, locução direta e verdadeira, pois não faltaria nunca aos seus com o fruto das mais belas cepas do mundo. Quanto à inveja, pregou friamente que era a virtude principal, origem de prosperidades infinitas; virtude preciosa, que chegava a suprir todas as outras, e ao próprio talento. As turbas corriam atrás dele entusiasmadas. O Diabo incutia-lhes, a grandes golpes de eloqüência, toda a nova ordem de coisas, trocando a noção delas, fazendo amar as perversas e detestar as sãs. Nada mais curioso, por exemplo, do que a definição que ele dava da fraude. Chamava-lhe o braço esquerdo do homem; o braço direito era a força; e concluía: muitos homens são canhotos, eis tudo. Ora, ele não exigia que todos fossem canhotos; não era exclusivista. Que uns fossem canhotos, outros destros; aceitava a todos, menos os que não fossem nada. A demonstração, porém, mais rigorosa e profunda, foi a da venalidade. Um casuísta do tempo chegou a confessar que era um monumento de lógica. A venalidade, disse o Diabo, era o exercício de um direito superior a todos os direitos. Se tu podes vender a tua casa, o teu boi, o teu sapato, o teu chapéu, coisas que são tuas por uma razão jurídica e legal, mas que, em todo caso, estão fora de ti, como é que não podes vender a tua opinião, o teu voto, a tua palavra, a tua fé, coisas que são mais do que tuas, porque são a tua própria consciência, isto é, tu mesmo? Negá-lo é cair no obscuro e no contraditório. Pois não há mulheres que vendem os cabelos? não pode um homem vender uma parte do seu sangue para transfundi-lo a outro homem anêmico? e o sangue e os cabelos, partes físicas, terão um privilégio que se nega ao caráter, à porção moral do homem? Demonstrando assim o princípio, o Diabo não se demorou em expor as vantagens de ordem temporal ou pecuniária; depois, mostrou ainda que, à vista do preconceito social, conviria dissimular o exercício de um direito tão legítimo, o que era exercer ao mesmo tempo a venalidade e a hipocrisia, isto é, merecer duplicadamente. E descia, e subia, examinava tudo, retificava tudo. Está claro que combateu o perdão das injúrias e outras máximas de brandura e cordialidade. Não proibiu formalmente a calúnia gratuita, mas induziu a exercê-la mediante retribuição, ou pecuniária, ou de outra espécie; nos casos, porém, em que ela fosse uma expansão imperiosa da força imaginativa, e nada mais, proibia receber nenhum salário, pois equivalia a fazer pagar a transpiração. Todas as formas de respeito foram condenadas por ele, como elementos possíveis de um certo decoro social e pessoal; salva, todavia, a única exceção do interesse. Mas essa mesma exceção foi logo eliminada, pela consideração de que o interesse, convertendo o respeito em simples adulação, era este o sentimento aplicado e não aquele. Para rematar a obra, entendeu o Diabo que lhe cumpria cortar por toda a solidariedade humana ... Para rematar a obra, entendeu o Diabo que lhe cumpria cortar por toda a solidariedade humana. Com efeito, o amor do próximo era um obstáculo grave à nova instituição. Ele mostrou que essa regra era uma simples invenção de parasitas e negociantes insolváveis; não se devia dar ao próximo senão indiferença; em alguns casos, ódio ou desprezo. Chegou mesmo à demonstração de que a noção de próximo era errada, e citava esta frase de um padre de Nápoles, aquele fino e letrado Galiani, que escrevia a uma das marquesas do antigo regímen: "Leve a breca o próximo! Não há próximo!" A única hipótese em que ele permitia amar ao próximo era quando se tratasse de amar as damas alheias, porque essa espécie de amor tinha a particularidade de não ser outra coisa mais do que o amor do indivíduo a si mesmo. E como alguns discípulos achassem que uma tal explicação, por metafísica, escapava à compreensão das turbas, o Diabo recorreu a um apólogo: - Cem pessoas tomam ações de um banco, para as operações comuns; mas cada acionista não cuida realmente senão nos seus dividendos: é o que acontece aos adúlteros. Este apólogo foi incluído no livro da sabedoria. 

IV - FRANJAS E FRANJAS 

A previsão do Diabo verificou-se. Todas as virtudes cuja capa de veludo acabava em franja de algodão, uma vez puxadas pela franja, deitavam a capa às urtigas e vinham alistar-se na igreja nova. Atrás foram chegando as outras, e o tempo abençoou a instituição. A igreja fundara-se; a doutrina propagava-se; não havia uma região do globo que não a conhecesse, uma língua que não a traduzisse, uma raça que não a amasse. O Diabo alçou brados de triunfo. Um dia, porém, longos anos depois, notou o Diabo que muitos dos seus fiéis, às escondidas, praticavam as antigas virtudes. Não as praticavam todas, nem integralmente, mas algumas, por partes, e, como digo, às ocultas. Certos glutões recolhiam-se a comer frugalmente três ou quatro vezes por ano, justamente em dias de preceito católico; muitos avaros davam esmolas, à noite, ou nas ruas mal povoadas; vários dilapidadores do erário restituíam-lhe pequenas quantias; os fraudulentos falavam, uma ou outra vez, com o coração nas mãos, mas com o mesmo rosto dissimulado, para fazer crer que estavam embaçando os outros. A descoberta assombrou o Diabo. Meteu-se a conhecer mais diretamente o mal, e viu que lavrava muito. Alguns casos eram até incompreensíveis, como o de um droguista do Levante, que envenenara longamente uma geração inteira, e, com o produto das drogas socorria os filhos das vítimas. No Cairo achou um perfeito ladrão de camelos, que tapava a cara para ir às mesquitas. O Diabo deu com ele à entrada de uma, lançou-lhe em rosto o procedimento; ele negou, dizendo que ia ali roubar o camelo de um drogomano; roubou-o, com efeito, à vista do Diabo e foi dá-lo de presente a um muezim, que rezou por ele a Alá. O manuscrito beneditino cita muitas outra descobertas extraordinárias, entre elas esta, que desorientou completamente o Diabo. Um dos seus melhores apóstolos era um calabrês, varão de cinqüenta anos, insigne falsificador de documentos, que possuía uma bela casa na campanha romana, telas, estátuas, biblioteca, etc. Era a fraude em pessoa; chegava a meter-se na cama para não confessar que estava são. Pois esse homem, não só não furtava ao jogo, como ainda dava gratificações aos criados. Tendo angariado a amizade de um cônego, ia todas as semanas confessar-se com ele, numa capela solitária; e, conquanto não lhe desvendasse nenhuma das suas ações secretas, benzia-se duas vezes, ao ajoelhar-se, e ao levantar-se. O Diabo mal pôde crer tamanha aleivosia. Mas não havia duvidar; o caso era verdadeiro. Não se deteve um instante. O pasmo não lhe deu tempo de refletir, comparar e concluir do espetáculo presente alguma coisa análoga ao passado. Voou de novo ao céu, trêmulo de raiva, ansioso de conhecer a causa secreta de tão singular fenômeno. Deus ouviu-o com infinita complacência; não o interrompeu, não o repreendeu, não triunfou, sequer, daquela agonia satânica. Pôs os olhos nele, e disse: - Que queres tu, meu pobre Diabo? As capas de algodão têm agora franjas de seda, como as de veludo tiveram franjas de algodão. Que queres tu? É a eterna contradição humana.

quinta-feira, 25 de julho de 2019

A SALVAÇÃO TODA por Elben César

A SALVAÇÃO TODA


Estamos cometendo uma injustiça muito grande. Não passamos para o rebanho as boas novas da salvação (Lc 2.10-11). E, quando passamos, mencionamos apenas partes da salvação e, não, a salvação toda.

A salvação toda cobre o passado, o presente e o futuro do rebanho. É por esta razão que falamos acertadamente que fomos salvos, somos salvos e seremos salvos. Fomos salvos da culpa do pecado, somos salvos do poder do pecado e seremos salvos da presença do pecado. Em termos teológicos, a salvação no passado chama-se justificação, a salvação no presente, santificação e a salvação no futuro, glorificação.

A salvação toda começa quando o pecador, prestes a se afogar, agarra-se à corda que lhe é lançada pela graça de Deus. Então, ele escapa da morte eterna. Mas ainda terá grandes dificuldades dentro dele mesmo e ao seu redor. Quer fazer o bem e não consegue.

Deus novamente vem em seu auxílio e lhe dá meios de graça e o poder do Espírito Santo para sobreviver. Todavia, o pecador, mesmo agradecido, quer mais alguma coisa da parte de Deus. Ele aspira à santidade total, a troca de seu corpo mortal e corruptível por outro não mortal nem corruptível, a troca de seu meio ambiente por novos céus e nova terra. É aí que vai terminar a salvação toda, quando Deus redimir tudo, até a criação, que agora geme e suporta angústias (Rm 8.18-23).

A salvação sem santidade gera escândalo, a salvação sem glorificação gera decepção. A salvação toda inclui o começo, a continuação e a consumação. Não podemos pregar só o começo, nem só a continuação nem só a consumação.

Os pastores precisam anunciar a salvação abrangente e o rebanho precisa desenvolver sua salvação com temor e tremor (Fp 2.12).

Não fique parado!

Se você é vagaroso para crer no Jesus do Evangelho, não fique desanimado nem desista da caminhada. Alguns custam a entender e demoram a crer. A começar com os próprios discípulos do Senhor (Veja a história de Nicanor, em Da Páscoa ao Pentecostes).

Vá em frente. Insista. Reprima a incredulidade e alimente a capacidade de crer. Descomprometa-se com o pecado conhecido, pois o pecado é um entrave à fé. Confesse a Deus suas limitações, sua cerviz dura, sua indisposição para crer, seu orgulho, sua dor. Suplique a misericórdia divina, seu perdão, sua força, sua manifestação. Abra a Bíblia e leia com regularidade, com atenção, com boa vontade, com humildade: “A fé vem por ouvir a mensagem, e a mensagem é ouvida mediante a Palavra de Cristo” (Rm 10.17, NVI). Faça amizade com pessoas que já crêem para receber alguma influência da parte delas. Freqüente uma igreja acolhedora, honesta, onde Jesus é anunciado, seja ela qual for.

Você precisa de cura. Apatia religiosa é doença. Incredulidade é doença. Apego ao pecado é doença. Preconceito é doença. Comece o tratamento. Tenha coragem de começar e coragem de continuar. Talvez você fique completamente bom muito logo. Mas não fique parado.

Por Elben César

domingo, 28 de janeiro de 2018

NOSSA ESQUIVA por A W Tozer

NOSSA ESQUIVA- DIA A DIA com Tozer
"Ora, se eu, sendo o Senhor e o Mestre, vos lavei os pés, também vós deveis lavar os pés uns dos outros."
Jesus em João 13.14


O senhorio de Jesus nao está completamente esquecido entre os cristãos, porém, foi relegado aos nossos hinários, onde toda a responsabilidade relacionada a Ele pode ser confortavelmente descarregada no calor de uma emoção religiosa. 


A ideia de que o homem Cristo Jesus tem autoridade plena e final sobre todos os membros de Sua Igreja, em cada detalhe de suas vidas, simplesmente não é aceita como verdadeira pelos cristãos evangélicos comuns.

Para evitar a necessidade de obedecer ou rejeitar as claras instruções de Senhor no Novo Testamento, nós nos refugiamos em uma interpretação liberal dessas instruções. Encontramos maneiras de evitar o tenaz confronto da obediência, de consolar a carnalidade e tornar as palavras de Cristo ineficazes.E a essência de tudo é que "Cristo simplesmente não quis dizer o que disse". 

Ousaremos admitir que Seus ensinos são aceitos, ainda assim teoricamente, apenas após serem enfraquecidos pela "interpretação"? 

Ousaremos confessar que, mesmo em nossa adoração pública, a influência do Senhor é muito pequena? Cantamos sobre Ele e pregamos sobre Ele, mas Ele não deve interferir!

Amado Senhor, precisco admitir que houve momentos em que ignorei convenientemente as claras instruções de Tua Palavra. Ajuda-me a andar na Tua Vontade hoje!

segunda-feira, 21 de novembro de 2016

AS FERIDAS LEAIS DE UM AMIGO por Ricardo Barbosa


Alguns meses atrás, marquei com um amigo para passarmos um tempo juntos, conversando e orando. Durante nossa conversa, abri meu coração, compartilhei com ele minhas frustrações, cansaço, desânimo e tristeza. Depois de me ouvir com atenção, voltou-se para mim e disse que o meu problema não eram os outros, nem meus planos que não deram certo, mas eu mesmo. Disse quanto eu era orgulhoso e que minhas frustrações refletiam a decepção que eu nutria para comigo mesmo. A conversa foi dura e longa.

Depois da decepção por não ter ouvido o que eu gostaria de ouvir, agradeci a Deus por aquele irmão ter tido a coragem de me alertar para o abismo no qual eu estava entrando. Sua honestidade e amor deram-lhe a coragem moral de não hesitar em me ferir. Pude perceber que minhas frustrações, fruto do meu orgulho, prejudicavam não só a mim, mas todos à minha volta. O sábio de Provérbios diz: “Leais são as feridas feitas pelo que ama, porém os beijos de quem odeia são enganosos” (Pv 27.6). Todos nós precisamos de amigos leais que tenham a coragem de nos ferir, porém, numa cultura politicamente correta e hipersensível a críticas, abandonamos as palavras sinceras e verdadeiras e as trocamos por bajulações vazias e falsos elogios.

Uma das marcas da amizade de Jesus com seus discípulos foram suas “palavras duras” dirigidas a eles. Ele não caminhou com seus discípulos proferindo apenas palavras suaves, doces e afirmativas. Jesus foi capaz de dizer “arreda de mim Satanás…” a Pedro, um dos seus discípulos mais próximos. Recomendou ao jovem rico que doasse todos os seus bens aos pobres. Àqueles que queriam segui-lo, disse que deveriam abandonar pai, mãe, mulher, filhos irmãos e a própria vida. Jesus encorajou seus seguidores com palavras consoladoras, porém nunca abandonou as palavras duras e jamais hesitou em ferir seus discípulos, para o bem deles. Por isso mesmo Jesus os chamou de “amigos”.

Quando pensamos em amizade, pensamos em pessoas por quem naturalmente temos grande empatia, que gostam das mesmas coisas que gostamos e pensam do mesmo jeito que pensamos. Procuramos pessoas que nos confortem em tempos difíceis, encorajem nos momentos de dúvida e nos apoiem em nossos planos e projetos. No entanto, sabemos que amizade é mais do que isso.

Sabemos que poucas pessoas se importam, de verdade, com nossa alma. Poucos têm a coragem de colocar em risco sua imagem pessoal ferindo nosso orgulho pelo bem da verdade e da eternidade. Muitos beijos e abraços são enganosos e têm o potencial de nos fazer acreditar naquilo que não somos; mesmo aqueles que são sinceros podem nos afastar de Deus e da salvação. Amigos que fazem as perguntas difíceis, que se importam com nossa vida, com o risco de nos perdermos em nossos pecados e enganos, que preferem nos ferir a nos ver perdidos e confusos, são os verdadeiros amigos.

Encontramos nos Evangelhos um exemplo real de amizade. Jesus via seus discípulos como pessoas que lhe haviam sido confiadas por Deus. Por isso ele os repreendeu, exortou, foi firme e duro e, ao mesmo tempo, compassivo e misericordioso. Jamais abriu mão de sua lealdade e buscou, em todo tempo, conduzir seus amigos ao conhecimento de Deus e à vida eterna.

Sou grato a Deus pelos amigos que me ferem, pelas perguntas difíceis e reveladoras. Sou grato a Deus por aqueles que preferem mais ser leais a ser simpáticos, que se importam mais comigo do que com sua imagem, que zelam pela minha eternidade e não por um breve e frágil momento de descontração.

• Ricardo Barbosa de Sousa é pastor da Igreja Presbiteriana do Planalto e coordenador do Centro Cristão de Estudos, em Brasília. É autor de, entre outros, A Espiritualidade, o Evangelho e a Igreja e Pensamentos Transformados, Emoções Redimidas. http://www.ultimato.com.br/revista/artigos/363/as-feridas-leais-de-um-amigo

quinta-feira, 26 de fevereiro de 2015

A PROFISSÃO MAIS DIFÍCIL DO MUNDO por Philip Yancey

Certa ocasião, jantei na casa de uma família amish (um grupo cristão conservador da América do Norte), e fiquei sabendo de seu processo incomum de escolher um pastor. Naquela parte do país poucos amihs estudam depois da oitava série, e quase ninguém tem formação teológica. A congregação toda vota em qualquer um de seus integrantes masculinos que mostre algum potencial pastoral, e os que recebe pelo menos três votos se sentam ao redor de uma mesa. Cada um deles tem diante de si um hinário e dentro deste hinário escolhido aleatoriamente um dos candidatos encontra um cartão que o designa como o novo pastor. Durante o próximo ano cabe a ele fazer dois sermões por semana, com a duração média de 90 minutos.

“O que acontece se quem receber a indicação não se sentir capacitado?”, perguntei para meu amigo amish. Ele me olhou intrigado e respondeu: “Se ele se sentisse qualificado, nós não o indicaríamos. Queremos um homem humilde, alguém que conta com Deus”.

Não recomendo o método amish de chamado pastoral (embora ele de fato guarde um intrigante paralelismo com o sistema de sorteios do Antigo Testamento), mas o último comentário de meu amigo me fez pensar. Thomas Merton disse certa vez que quase tudo o que esperamos de pastores e sacerdotes - ensinar e aconselhar as pessoas, consolá-las, orar por elas - deveria na verdade ser responsabilidade do resto da congregação. Nos parece que o distintivo da vocação pastoral é ser o homem de Deus, aquele que “é chamado para ser outro Cristo em um sentido mais particular e íntimo que o cristão comum”. O pastor fica como uma espécie de intermediário da misericórdia de Deus, composto pela sua função de pregador e admoestação dos pecadores.

Em nossa fixação por perfis profissionais e competência na carreira, será que não esquecemos da qualificação mais importante de um pastor - a necessidade de conhecer a Deus? Mahatma Gandhi, líder de meio bilhão de pessoas, mesmo no calor de negociações envolvendo a independência da Índia, se recusava a comprometer seu princípio de guardar toda segunda-feira como um dia de silêncio. Ele acreditava que se deixasse de guardar esse dia de nutrição espiritual ficaria menos eficiente durante os outros seis.

Eu me pergunto em que medida nossos líderes espirituais seriam mais eficientes se nós lhe concedêssemos um dia por semana como um tempo de silêncio para a reflexão, meditação e estudo pessoal. Eu me pergunto como nossas igrejas seriam se nós fizéssemos da saúde espiritual do pastor - e não sua eficiência - nossa prioridade número um.



Coluna Back Page (Publicado originalmente em 21 de maio de 2001, na revista Christianity Today)
Do Livro devocioanal SINAIS DA GRAÇA - Mundo Cristão.