"Temos esta Esperança como âncora da alma, firme e segura, a qual adentra o santuário interior, por trás do véu, onde Jesus que nos precedeu, entrou em nosso lugar..." (Hebreus 6.19,20a)

quarta-feira, 29 de janeiro de 2014

MELHOR QUE O PLANEJADO

Leitura: Efésios 5:15-21 
…dando sempre graças por tudo… —Efésios 5:20

As interrupções não são novidade. Raramente um dia corre como o planejado.

A vida é cheia de inconveniências. Os nossos planos são constantemente contrariados por circunstâncias além do nosso controle. A lista é longa e sempre mutante. Doenças, conflitos, engarrafamentos, esquecimentos, mau funcionamento de equipamentos, grosserias, preguiça, falta de paciência, incompetência.

O que não podemos ver, no entanto, é o outro lado da inconveniência. Acreditamos não ter outro propósito além de nos desencorajar, dificultar a vida e frustrar os nossos planos. Entretanto, a inconveniência poderia ser o jeito de Deus nos proteger do perigo despercebido, ou poderia ser uma oportunidade de demonstrar a graça e o perdão de Deus. Pode ser o começo de algo muito melhor do que havíamos planejado. Ou poderia ser um teste para verificar como reagimos à adversidade. Seja o que for, mesmo que não conheçamos os motivos de Deus, podemos estar certos do que Ele quer: tornar-nos mais parecidos com Jesus e expandir o Seu reino na terra.

Dizer que através da história os seguidores de Deus encontraram “inconveniências” é eufemismo. Mas Deus tem um propósito. Sabendo disso, podemos agradecê-lo, confiantes de que Ele nos dá uma oportunidade de remir o tempo (Efésios 5:16,20).

—JAL
O que acontece conosco não é tão importante quanto o que Deus faz em nós e por nosso intermédio.

sexta-feira, 24 de janeiro de 2014

DEPRESSÃO: UMA MORTE VIVA por Esther Carrenho

Depressão é uma palavra no singular, mas que designa uma série de quadros. Há a depressão leve, a moderada e a chamada grave, ou severa. Há também as depressões que estão relacionadas ao jeito de ser da pessoa. Elas existem, mas não são acontecimentos externos que as desencadeiam – são processos que surgem de dentro para fora. E ainda há as depressões que nem deveriam merecer o nome, já que são reações de tristeza e desencanto por perdas naturais na vida; o desemprego, a saída de um filho de casa, as mudanças de qualquer tipo, a chegada da velhice ou uma doença. Melhor dizendo, tais tipos de quadros merecem mais o nome de "sintomas depressivos", necessários para a elaboração do que se foi e a adaptação à nova realidade. 

Depressão é um assunto praticamente inesgotável. Muito já foi dito escrito e descrito sobre ela, e ainda há muito para ser descoberto. Mas dois aspectos existentes em quase todos os tipos de depressão podem ser considerados positivos. O primeiro é a possibilidade de uma reviravolta na vida. Isto é, a depressão é um alerta de que a forma como a vida acontece já não é mais possível. É como uma luz no painel da existência, indicando que, se providências não forem tomadas, a vida do indivíduo entrará em pane total. Vários fatores podem interferir e provocar um estado de depressão grave, no qual a pessoa perde totalmente o ânimo. O mundo vira todo colorido de cinza; os projetos futuros desaparecem; o sono e o apetite se alteram, a realidade fica distorcida. A disposição e a vontade para atividades sociais somem por completo. Se é que ainda existe algum alivio nesse quadro, este se dá no isolamento e na solidão – e o desejo de morrer é uma realidade constante. É por essa razão que chamo a depressão de "morte viva": há na depressão um gosto de morte, sim, ou porque alguma morte já ocorreu ou porque algum tipo de ruptura precisa ocorrer, para que a pessoa possa viver melhor trilhando novos caminhos. 

O segundo sinal positivo na depressão é que, junto com o inferno que, muitas vezes, é experimentado, há também aspectos positivos a serem adquiridos enquanto se mergulha na noite escura da vida, como se refere São João da Cruz. Lembro-me de uma mulher de 35 anos que acompanhei num período de depressão profunda, durante quase seis meses. Ela podia contar com um marido e com amigos que lhe deram todo o suporte durante o período em que não via razões para continuar viva; e também com um médico, que tratou dela de forma que tivesse condições para rever sua própria vida enquanto enfrentava as trevas da depressão. Quando, finalmente, superou aquela crise, ela concluiu que a agonia profunda que experimentou fez dela um ser humano mais acolhedor e compreensivo para com as pessoas, principalmente diante daquelas que apresentam tristeza, desânimo e vontade de desistir. "Hoje, sou mais amorosa e paciente. É como se o meu espaço interior tivesse se alargado para acolher as pessoas que sofrem", constatou ela. 

As depressões requerem cuidados e atenção; e, na maioria das vezes, medicação adequada pode ajudar em muito. Mas não se pode esquecer que tais situações também cooperam com o amadurecimento e o crescimento, tanto emocional como espiritual. Elias, o profeta, é um bom exemplo disso. Ele experimentou na própria pele um estado com todos os sintomas de uma depressão grave. Deus não o condenou; pelo contrário, quando ele fugia com medo de ser assassinado pela rainha Jezabel, milagres aconteceram na sua vida. Enquanto ele só dormia, a Bíblia diz que um anjo lhe trouxe comida, para que tivesse forças para caminhar até o Horebe. Naquele monte, Deus se manifestou a ele através de uma brisa suave. Elias, então, se apresenta e Deus lhe fala de forma acolhedora e amorosa, esclarecendo que ele tinha tarefas importantes para executar e que não estava sozinho: havia 7 sete mil pessoas que criam como ele e com as quais poderia conviver. 

Até Cristo Jesus experimentou uma tristeza profunda no Jardim do Getsêmani, sentimento tão intenso que o próprio Filho de Deus o definiu como "tristeza de morte". Mas foi assumindo aquela tristeza que ele tomou a decisão final de derramar vida a todos nós, através de sua morte na cruz. Pois que tanto Elias como Cristo sejam nossos estímulos para que, caso a depressão chegue a nós, não caiamos na desesperança!

sexta-feira, 10 de janeiro de 2014

ORTODOXIA HUMILDE por Joshua Harris

VASOS DE MISERICÓRDIA

“A mensagem da ortodoxia cristã não é que eu sou certo e que a outra pessoa está errada. A mensagem é que sou errado, mas, apesar disso, Deus encheu-me de Sua graça. Sou errado, mas Deus preparou um meio pelo qual eu posso ser perdoado, aceito e amado por toda a eternidade. Sou errado, mas, apesar disso, Deus mandou Seu Filho, Jesus, para morrer em meu lugar e receber minha punição. Sou errado, mas por meio da fé em Jesus posso ser tornado justo diante de um Deus santo.
Isto é o Evangelho. Isto é a verdade que toda a doutrina cristã celebra. É a verdade que todo seguidor de Jesus é chamado a amar e preservar. E até morrer por ela. É a única verdade sobre a qual podemos edificar nossa vida e fundamentar nossa esperança eterna".
Joshua Harris no Livro Ortodoxia Humilde p.39

quarta-feira, 25 de dezembro de 2013

JESUS, O DEUS MENINO por Ed René Kivitz

"Todo menino quer ser homem.

Todo homem quer ser rei.


Todo rei quer ser Deus.

Só Deus quis ser menino".


Essas palavras de Leonardo Boff ganharam meu coração nesse Natal. Imediatamente lembrei o que a Bíblia diz sobre Jesus menino:

"Porque um menino nos nasceu, um filho nos foi dado, e o governo está sobre os seus ombros. E ele será chamado Maravilhoso Conselheiro, Deus Poderoso, Pai Eterno, Príncipe da Paz". Isaías 9.6

"O lobo viverá com o cordeiro, o leopardo se deitará com o bode, o bezerro, o leão e o novilho gordo pastarão juntos; e uma criança os guiará". Isaías 11.6

"Mas quando os chefes dos sacerdotes e os mestres da lei viram as coisas maravilhosas que Jesus fazia e as crianças gritando no templo: "Hosana ao Filho de Davi", ficaram indignados, e lhe perguntaram: "Não estás ouvindo o que estas crianças estão dizendo? " Respondeu Jesus: "Sim, vocês nunca leram: ‘dos lábios das crianças e dos recém-nascidos suscitaste louvor'?" Mateus 21.15,16, citando o Salmo 8.2

"Naquele momento os discípulos chegaram a Jesus e perguntaram: "Quem é o maior no Reino dos céus? " Chamando uma criança, colocou-a no meio deles, e disse: "Eu lhes asseguro que, a não ser que vocês se convertam e se tornem como crianças, jamais entrarão no Reino dos céus. Portanto, quem se faz humilde como esta criança, este é o maior no Reino dos céus". Mateus 18.1-4

"O povo também estava trazendo criancinhas para que Jesus tocasse nelas. Ao verem isto, os discípulos repreendiam os que as tinham trazido. Mas Jesus chamou a si as crianças e disse: "Deixem vir a mim as crianças e não as impeçam; pois o Reino de Deus pertence aos que são semelhantes a elas. Digo-lhes a verdade: Quem não receber o Reino de Deus como uma criança, nunca entrará nele". Lucas 18.15-17

Ouvi  Jesus  convidando: “Torne-se menino. Eu fui menino”.

Perguntei: Por que a criança é o paradigma daquele que enxerga, discerne, experimenta e participa do reino de Deus?

Os estudiosos da Bíblia sugerem duas possibilidades. A primeira é que as crianças representam as virtudes que Deus espera ver nos adultos, como pureza, simplicidade, ingenuidade. Mas não é menos verdadeiro que essas são mais propriamente características que devem ser deixadas para trás do que virtudes que devem ser desenvolvidas. Paulo, apóstolo, diz que “não devemos ser como meninos imaturos” (Efésios 4.11-16), e que a vida adulta exige o desapego das coisas de menino (I Coríntios 13.11). Jesus também ensinou que ingênuos não sobrevivem no meio de lobos, e por isso devemos ser “simples como a pomba e prudentes como a serpente” (Mateus 10.16). Quanto à pureza das crianças, convenhamos, todas elas sabem ser egocêntricas e são naturalmente manipuladoras e agressivas quando se trata de fazer valer suas vontades. Você pode dizer que aprendem com os adultos, mas aprendem rápido, de modo que atribuir grandeza moral às crianças é sim ingenuidade. Virtude exige maturidade, disciplina, esforço, sofrimento – crescemos porque padecemos.

Outra possibilidade de interpretação para o fato de ser a criança o modelo para quem deseja viver no reino de Deus é que ela simboliza os pequeninos. “Deixai vir a mim os pequeninos” significaria “não impeçam que os que sofrem se acheguem a mim”. Jesus ensinou que os que têm fome, sede, estão doentes e injustamente encarcerados são os pequeninos a quem servimos sem saber que agimos em favor do próprio Cristo (Mateus 25.40). Mas também é verdade que Jesus não foi menino no sentido de ser vítima das circunstâncias e das contingências. Jesus padeceu voluntariamente, com lucidez, ciente do propósito de seu sofrimento, que enfrentou com singular coragem e grandeza de espírito.

O contraste entre homem, rei, Deus e menino perdurou no meu coração e minhas perguntas não foram respondidas pelos estudiosos da Bíblia. Mergulhei no silêncio e esperei que a Palavra viva encontrasse o caminho do meu coração e respondesse minhas perguntas: Por que devo ser menino? o que significa se fazer menino? de que maneira Deus foi menino?

Duas verdades explodiram dentro de mim. A primeira, a respeito da condição da criança. A segunda, a respeito da qualidade de relação própria da criança.

Imaginei uma conversa entre as Pessoas da Santíssima Trindade ocorrida na eternidade. Jesus olha para o Pai e diz: “Eu me esvazio, abro mão das minhas prerrogativas divinas, e mergulho na mais vulnerável condição humana. Vou ao ventre de uma mulher. Vou ao colo e ao seio de Maria. Aceito me fazer menino”.

O ato voluntário de Jesus implica a disposição de colocar-se sob o cuidado alheio. Uma criança, ou recebe cuidado, ou morre. Dos recém nascidos, o ser humano é o que exige maiores e complexos cuidados, e por mais tempo. Ser criança é ser vulnerável. Ser menino é ser dependente do pai, da mãe e tantos outros cuidadores. O ato de Jesus implica dizer ao Pai: “Eu me entrego absolutamente aos teus cuidados. Abandono-me em tuas mãos. Fico à tua disposição. Inteiramente dependente do teu amor. Completamente à mercê do teu caráter justo e bom”.

Lembrei de quantas vezes ao longo desse ano me percebi como criança encolhida em posição fetal, acolhida na palma da mão de Deus, minha manjedoura. Não me acovardei, não fugi da vida, não abri mão das minhas responsabilidades, não deixei de encarar o ônus que o sagrado direito de viver impõe. Apenas admiti minha finitude, minha impotência, minha incapacidade e meus limites diante das cruéis e sublimes dimensões da existência. As injustiças das sociedades humanas marcadas pela destruição e ganância, e a maravilha do universo em expansão me mostraram meu real tamanho, e me fizeram orar suplicante. O peso da maldade contra mim, a vergonha do mal que me habita, a inconstância dos meus pensamentos e sentimentos, a perplexidade em momentos de confusão e conflitos, a impotência diante dos paradoxos da vida, as demandas dos que me buscam clamando por socorro, me fizeram muitas e muitas vezes correr para as mãos de Deus e me entregar em absoluta dependência, como um menino que se derrama no colo do pai, despido de qualquer vergonha por ser ainda menino.

Sei que sou homem. Sei que sou rei. Sei que o Espírito de Deus habita em mim. Mas sei que sou menino. Não me ofendo quando ouço meu Pai dizer que não sou capaz de sustentar a existência com minhas próprias forças, encarar o mundo com minha própria sabedoria, resolver a vida com minha pretensa onipotência. O estado de criatura, e o sentimento de dependência não me causam revolta. A consciência de ser “homem insuficiente” me coloca de joelhos. Na verdade, me faz correr repetidas vezes para o refúgio seguro dos cuidados do meu Pai Celestial.

Essas imagens trouxeram para mim a lembrança de que assim Jesus nos ensinou a orar: Abba, Abba Pai. Oração é palavra do afeto. Abba é o balbuciar da criança que ainda não aprendeu a falar. Abba é a expressão da criança que sabe quem é seu pai, mas não sabe nada a respeito dele. Abba é a palavra da intimidade supra racional e anterior a qualquer elaboração de raciocínio e valoração. Abba é o impulso da criança que, diante de tantos braços estendidos e faces convidativas, sabe exatamente o colo ao qual deve se entregar. Esse é o meu pai, aqui estou seguro, aqui é o meu lugar, diz a criança que sabe do seu Abba.

Carrego comigo mais perguntas do que respostas, sou como Riobaldo, “quase de nada não sei, mas desconfio de muita coisa”. Mas nada me impede de crer. Sei dos argumentos contra a fé, enxergo as mazelas da religião, conheço cada canto do labirinto da dúvida. Mas nada disso me impede de crer. Minha relação com o Abba prescinde da lógica, pois repousa no afeto. Há muita que desconheço. Mas sei que tribulação, angústia, perseguição, fome, nudez, perigo, espada não me separam do afeto do Abba. Sei que "nem morte nem vida, nem anjos nem demônios, nem o presente nem o futuro, nem quaisquer poderes, nem altura nem profundidade, nem qualquer outra coisa na criação é capaz de me separar do amor de Deus que está em Cristo Jesus, meu Senhor".

Ouvi Jesus convidando: “Seja menino. Eu fui menino”. E então compreendi o que ele me dizia: “Entregue-se completamente aos cuidados do Abba, e nunca, nunca, nunca, em tempo algum, e por qualquer razão, duvide enquanto Ele sussurra ao seu ouvido: Você é meu filho amado, em quem eu tenho prazer”.

Então respondi em oração.

Eis-me aqui, Abba, disposto a crescer e ser homem à imagem de teu filho Jesus.
Eis-me aqui, Abba, disposto a ser rei, para que tua vontade seja feita na terra como no céu.
Eis-me aqui, Abba, ansioso para participar de tua natureza divina.
Mas, verdadeiramente, eis-me aqui, Abba, menino, completamente entregue ao teu cuidado, vivendo no teu amor.
Eis-me aqui, Abba, o meu coração não é orgulhoso e os meus olhos não são arrogantes. Não me envolvo com coisas grandiosas nem maravilhosas demais para mim. Acalmei e tranqüilizei a minha alma. Sou como menino recém-amamentado por sua mãe. A minha alma é como essa criança. Somente em Ti está a minha esperança, desde agora e para sempre!

Ed René Kivitz


https://www.facebook.com/edrenekivitz/posts/770162363000925

NATAL


quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

O QUE VEM DEPOIS DA GRAÇA? por Ricardo Barbosa

Cresci ouvindo amigos de formação dispensacionalista afirmando que o tempo da lei passou e que agora vivemos o tempo da graça. Eles diziam que o Antigo Testamento, com suas leis e mandamentos, dera lugar ao Novo Testamento, em quetudo se resume no amor de Deus, um amor sem exigências, que nos aceita como somos; que o Deus justo e temível da antiga dispensação dera lugar ao Jesus manso e misericordioso da nova dispensação. Um tipo de evolucionismo divino.

O dispensacionalismo foi muito criticado e combatido. No entanto, o que vemos hoje é o seu reconhecimento, não apenas pelos que creem nas diferentes dispensações na história da salvação, mas, sobretudo, pelos cristãos pós-modernos, que rejeitam mandamentos, leis ou qualquer chamado à obediência. O que importa é o amor. É preciso sentir-se amado para então amar. É preciso sentir-se aceito para então obedecer. O problema é que nunca se sentem suficientemente amados ou aceitos.

No livro “Uma Força Medonha”, C. S. Lewis descreve um diálogo entre Ranson e Jane sobre casamento. Ela achava difícil confiar no marido porque sentia que já não o amava mais. Ranson então lhe diz: “A senhora não deixou de obedecer por falta de amor, mas perdeu o amor porque nunca tentou obedecer”. A relação entre o amor e a obediência é intensa e vital. Jesus também afirmou: “Aquele que tem os meus mandamentos e os guarda, esse é o que me ama” (Jo 14.21).

A ruptura que muitos cristãos fazem entre o Antigo e o Novo Testamento, entre lei e graça, entre mandamento e amor, compromete tragicamente a formação do caráter cristão. O processo que envolve o crescimento e o amadurecimento cristão requer obediência consciente e diligente. Uma passagem bíblica que expressa bem isto está em 2 Pedro 1.4-7: “[...] ele nos deu as suas grandes e preciosas promessas, para que por elas vocês se tornassem participantes da natureza divina e fugissem da corrupção que há no mundo [...]. Por isso mesmo, empenhem-se para acrescentar à sua fé a virtude, à virtude o conhecimento; ao conhecimento o domínio próprio [...]”.

As promessas foram cumpridas em Cristo. O propósito de Deus para o ser humano foi revelado. O caminho do crescimento espiritual foi escancarado com a vida, morte e ressurreição de Cristo. Maturidade cristã é tornar-se participante da natureza divina, revelada em Cristo. É por causa disso que devemos abandonar a corrupção que existe no mundo e nos entregar, deliberadamente, às virtudes, ao domínio próprio, à perseverança e a tudo o que nos leva a ser semelhantes a Cristo.

É possível fazer isto sozinho? Não. Jesus afirmou: “[...] sem mim nada podeis fazer” (Jo 15.5). Somente a graça de Deus pode realizar isto em nós. Porém, se eu nada fizer, nada será feito. É aqui que a obediência e o amor se encontram na experiência da fé. Os mandamentos de Deus não são uma negação de sua graça e amor, são sua afirmação. É a obediência aos mandamentos que nos leva a experimentar o amor divino.

Pedro afirma que precisamos nos empenhar para acrescentar à nossa fé a virtude, o domínio próprio, a perseverança, a piedade, a fraternidade e o amor. Sou eu que tenho de me empenhar. A responsabilidade é minha. Ninguém fará isto por mim. Consigo fazer isto por conta própria? Não. Preciso da graça de Deus. Contudo, se eu não me esforçar para fazer, nada será feito.

A formação do caráter cristão requer uma experiência intensa e poderosa com a graça de Deus. Deus, em Cristo, nos revelou seu amor, cumprindo por meio dele todas as promessas. Fomos salvos, regenerados e transportados do império das trevas para o seu reino de amor, justiça e paz. O caminho foi trilhado por ele, ele é o primogênito da nova criação. Sua vida consistiu em fazer a vontade do Pai e realizar a sua obra.

A formação do caráter cristão requer a mesma obediência aos mandamentos de Deus. Um cristão passivo e apático jamais experimentará o real significado da graça divina e, mais cedo do que imagina, perceberá a fragilidade de seu amor por Deus. Não deixamos de obedecer a Deus por falta de amor, deixamos de amá-lo por não obedecer-lhe.

• Ricardo Barbosa de Sousa é pastor da Igreja Presbiteriana do Planalto e coordenador do Centro Cristão de Estudos, em Brasília. É autor de “Janelas para a Vida” e “O Caminho do Coração”.

domingo, 17 de novembro de 2013

VIDA LONGA, VIDA ALONGADA E VIDA ETERNA - Revista Ultimato nov/dez

Em vez de pedir a Deus vida longa, riqueza ou a morte de seus inimigos, o recém-empossado rei de Israel pediu sabedoria para governar o povo com Justiça. Na escala de valores do jovem Salomão, pelo menos para aquele momento, capacidade para servir a Deus e aos homens era mais importante do que vida longa (I Rs 3.4-15).

Afinal o que é vida longa? Vida longa é aquela que, a cada dia, consegue empurrar a morte para frente. Mas, no fundo, o que se quer mesmo é a morte da morte, "aquele monstro cujo lábio inferior toca a terra e o superior toca o céu, de modo a engolir tudo". A morte é uma intrusa, não foi programada, é a sósia do pecado e, segundo Paulo, é o último - e o pior - inimigo do ser humano e da criação de Deus a ser derrotado (I Co 15.26).

Na realidade, enquanto não chegarmos à plenitude da salvação, é mais correto falar em vida alongada do que em vida longa. Há uma pequena diferença entre uma e outra.

A vida alongada tem um preço muito alto. Depende de uma infinidade de médicos e enfermeiras, de produtos farmacêuticos - quase todos de uso contínuo - de aparelhos cada vez mais sofisticados, de exames de laboratório, de planos de saúde, de cirurgias e de permanências na Unidade de Tratamento Intensivo (UTI).

Hoje em dia, o alongamento da vida está sendo questionado tanto pela ciência como pela sociedade, incluindo o próprio paciente e sua família. A Organização Mundial da Saúde (OMS) diz que 90% das mortes - quase 60 milhões por ano - "resultam de doenças agudas incapacitantes e enfermidades crônico-degenerativas que podem evoluir com lento e longo processo de morte, dependendo da doença e das comorbidades envolvidas". O cardeal Raymundo Damasceno Assis, arcebispo de Aparecida - SP, e presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), diz que "a morte não é uma doença para a qual devemos achar cura" e "é necessário que o homem reconheça a aceite a própria realidade e os próprios limites".

Precisamos tirar o foco da esperança da vida longa e da vida alongada e colocá-la na vida eterna, à qual Jesus se referiu diversas vezes. Vida eterna não é vida terrestre, nem vida física, nem vida comum. Vida eterna é mais do que vida depois da morte e da ressurreição. Ela pode começar aqui e continuar, sem interrupção, para todo o sempre. O Evangelho de João garante que quem crê no Filho de Deus como Salvador "tem a vida eterna". O verbo "ter" está no presente e não no futuro (Jo 3.36). O ex-professor do seminário teológico de Dallas J. Walvoord explica que vida eterna "é mais o resultado do que a causa da Salvação, mas relaciona-se com a conversão ou a manifestação da vida nova em Cristo". É aquela vida "que antegoza e garante a comunhão com Deus na eternidade".

Jesus explicou a Nicodemos que Ele seria pregado numa cruz para que todos os que cressem nEle tivessem a vida eterna (Jo 3.15). A continuação desta palavras é o versículo mais traduzido e recitado de toda a Bíblia: "Deus amou o mundo tanto, que deu o Seu único Filho, para que todo aquele que nEle crer não morra, mas tenha a vida eterna" (Jo 3.16).

Jesus não veio remendar coisa alguma - Ele veio para construir coisas novas e maiores. A vida eterna para quem deseja ter vida longa ou alongada - e não consegue - é uma delas.

A morte daquele monstro cujo lábio inferior encosta no mais baixo abismo e o superior encosta no mais alto céu, de modo a devorar bebês, recém-nascidos, crianças, adolescentes, adultos e idosos de ambos os gêneros, faz parte da escatologia cristã. O sumiço da morte está em processo!

quarta-feira, 30 de outubro de 2013

OFICINA DE VIDAS - Uma reflexão sobre discipulado por Carlos Moreira

"Os onze discípulos foram para a Galileia, para o monte que Jesus lhes indicara. Quando o viram, o adoraram; mas alguns duvidaram. Então, Jesus aproximou-se deles e disse: “Foi-me dada toda a autoridade nos céus e na terra. Portanto, vão e façam discípulos de todas as nações, batizando-os ema nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo, ensinando-os a obedecer a tudo o que eu lhes ordenei. E eu estarei sempre com vocês, até o fim dos tempos". Mateus 28.16-20

Excelente reflexão sobre (para mim) a principal omissão e pecado da Igreja de Cristo, O DISCIPULADO.

Aproveitando e a reflexão, eu gostaria de obter algumas respostas acerca deste tema, é uma especie de pesquisa que me serviria para corroborar uma futura reflexão minha:

1- Você já foi discipulado por alguém, isto é acompanhado dia-a-dia por um mentor espiritual, em algum período da sua vida? (alguém que não somente lhe "evangelizou", mas levou com você a sua carga, lhe mostrou com sua vida, a Vida de Jesus).

2- Se foi, "quanto" da sua "herança espirtual" você credita a este relacionamento? Se não, você acha que isto lhe faz falta?

Eu, por exemplo, me lembro que aos meus treze anos de idade fui discipulado (somente por uma semana) no acampamento Palavra da Vida, pelo "conselheiro" Maninho. Vejo hoje, mais do que nunca, quanto aqueles dias foram importantes para minha formação espiritual.

Aos 14 e 15 anos de idade tive um professor de adolescentes na igreja que participava chamado Paulo "broa" (por causa de suas faces, um pouco redondas) que foi referência para mim, mas não foi um discipulador mas sim professor.

Aos 28, tive no meu dirigente de Decúria do Cursilho uma espécie de discipulador, mas muito mais pela sua boa vontade e dedicação. Éramos muito mais irmãos que compartilhavam, do que mentor e mentoreado.

Hoje, sabendo a importância deste tipo de relacionamento, procuro desenvolver amizades onde o discipulado ocorra; ora recebendo, ora sendo canal da Graça.

Infelizmente o discipulado é uma temática que não é levada a sério, penso ser esta a maior realização que uma pessoa pode fazer; primeiro ser discípulo de Cristo, depois, formar discípulos dEle.
BM
...
Oficina de Vidas - Uma Reflexão sobre Discipulado

INTRODUÇÃO
Quem me conhece sabe o quanto eu gosto de carro. Oficina, então, nem se fala! Vá entender... Gosto de quase tudo que tem quatro rodas, mas o Jipe sempre foi o meu "xodó". Quando comprei o primeiro, passava horas com ele no mecânico. A coisa chegou a um estado tal, que Fabiana uma vez me disse que eu estava ficando mais tempo na oficina do que com ela em casa.

Sempre gostei de cuidar de carros e acabei desenvolvendo outra paixão na vida: cuidar de gente, mas é fato que se trata de coisas totalmente antagônicas. Carro se machuca, arranha, amassa, quebra uma peça, mas sempre tem jeito! Com grana e uma boa oficina pode-se até, num curto espaço de tempo, transformar uma velharia num hot rodes. Mas com gente é diferente. Gente quando "arranha", "amassa", ou "quebra" dá um trabalho enorme para "recuperar" e, não raras vezes, o problema é tão grave que a "perda é total".

Você já pensou numa oficina que cuidasse de vidas? Imagine o cliente chegando e sendo recebido pelo "mecânico" da alma que diria: "é patrão, vamos ter de arriar todo esse egoísmo, que já rodou bastante, e colocar no lugar dele dois litros de generosidade. Também vou ter de substituir essa mentira aqui, que como se pode ver já está bastante gasta, por aquela verdade ali, novinha em folha".

Que bom seria se fosse assim! Mas não é. Gente dá trabalho. Gente tem insegurança, insensatez, implicância, intemperança, intolerância, indolência, e tanta coisa ruim que agente só acredita que gente tem jeito porque agente é gente. E dá trabalho cuidar de gente; e como dá... Mas não há, nessa terra, tarefa que seja mais inspiradora e, no meu entender, que seja tão prioritária.

UMA "PAIXÃO" DENTRO DA PAIXÃO

Quando olho para Jesus, vejo essa verdade expressa em cada gesto e em cada palavra, pois, de fato, o Mestre gostava de gente. Gente doída, gente perdida, gente caída, gente excluída, gente que não se achava gente, gente que perdeu a referência do que era ser gente, gente que ignorava outra gente, gente de todo tipo e gente de toda gente.

Jesus vivia rodeado de pessoas. Com elas celebrou a vida e, por causa delas, a própria vida doou. Mas também experimentou nas suas relações a tristeza, a decepção e a dor. Para mim, a encarnação nada mais é do que Deus se deixando traduzir. Deus, agora, não é mais somente Deus, mas também é homem, bem próximo a nós. Podemos vê-Lo na esquina, entre uns e outros. Ele vai à casa do publicano e senta-se na roda dos pecadores. Conversa com a prostituta e come na mesa do coletor de impostos. Num momento está numa festa e, no outro, partilhando da dor solitária de um aleijado esquecido. Alegra-se no casamento, e chora no enterro do amigo, acolhe carinhosamente as crianças e expulsa o demônio que atormenta o endemoninhado. Verdadeiramente, a paixão daquele Galileu, era gente...

A vida de Jesus foi "gasta" com pessoas, sobretudo, os três últimos anos. Ele investiu todo o tempo de que dispunha na tarefa de fazer discípulos e, mesmo não tendo inventado o discipulado, discerniu-O como algo eficaz e aplicou-O como estratégia no ministério. No fundo, Ele criou uma oficina de vidas, pois, no que diz respeito à "consertar" gente, nunca houve ou haverá alguém melhor do que Jesus.

QUEBRANDO PARADIGMAS

Mais o que é mesmo discipulado? Ora, para tentar refletir um pouco sobre o tema, vou primeiro lhe dizer, o que eu acho que não é.

- Discipulado não é uma reunião de pessoas, mas a união de pessoas que se reúnem;
- Discipulado não é apenas abrir a casa para uma reunião, mas abrir a vida para a comunhão;
- Discipulado não é algo que acontece num dia da semana, mas, numa semana, todos os dias;
- Discipulado não termina quando a reunião acaba, pelo contrário, começa;
- Discipular não é passar a vida ensinando a bíblia, mas, no ensino da bíblia, passar a vida;
- Discipular não é apenas ensinar o que se aprende, mas viver o que se ensina;
- Discípulo não é alguém que quer apenas fazer discípulos, mas, antes de tudo, ser discípulo;
- Discípulo não é alguém que freqüenta a sua casa, mas aquele que partilha com você a sua vida;
- Discipulador não é aquele que apenas aceita o chamado do pastor, mas que compreende a comissão do Senhor;
- Discipulador não é um cargo que se assume na Igreja, mas um encargo que se assume na vida.

Tenho trabalhado com discipulado há mais de 20 anos. Neste período, no nosso país, observei, pelo menos, 4 "tipos" dele sendo implementados nas Igrejas.

1- DISCIPULADO COMO UM SISTEMA DE MANIPULAÇÃO
É um tipo de discipulado onde o discipulador exerce forte influência na vida de "seus" discípulos sendo que, em muitos casos, a relação torna-se, perigosamente, passional. O que à primeira vista poderia ser um fator positivo acaba tornando-se, num curto espaço de tempo, em algo extremamente nocivo. É que a dita "influência" vai muito além do que deveria ir, revelando-se, assim, uma invasão de privacidade. As pessoas têm de fazer a vontade do líder, sempre sob o suposto respaldo das Escrituras que, não raras vezes, são utilizadas totalmente fora de contexto.

Outra característica deste tipo de discipulado é ser um "sistema" fechado em si mesmo, com regras e rigores a respeito da vida e da conduta. O produto gerado a partir deste "caldo existencial" são vidas que existem sob o signo do medo, uma vez que, num ambiente como esse, torna-se quase impossível desenvolver de forma sadia a consciência na graça.

Conteúdos e verdades podem e devem ser repassados, primordialmente, através da vida, com respeito e amor, sempre olhando de forma reverente os "espaços" do outro, nunca perdendo a referência de que cada pessoa fará o seu próprio caminho na terra com Deus, pois será a partir dele que colherá a paz e o bem de cada dia.

2- DISCIPULADO COMO UMA ESTRATÉGIA DE MASSIFICAÇÃO
Muito do que acontece hoje, no mundo corporativo, achará guarida, em alguns anos, no mundo eclesiástico. Foi isto o que aconteceu na última década, com vários conceitos e processos empresariais sendo adicionados ao dia a dia das Igrejas.

Dentro desta perspectiva, os métodos voltados para o crescimento da membresia, mais especificamente através da estratégia de pequenos grupos, são os mais utilizados. A "visão" inicial, que chegou ao Brasil em meados dos anos 90, tinha como modelo a Igreja em Células da Colômbia que, num curto espaço de tempo, experimentou, através do discipulado, um crescimento numérico de milhares de pessoas.

Na versão tupiniquim, entretanto, o método sofreu o aditamento de programas e estratégias de planejamento e marketing com vistas a gerar melhores "resultados". O saldo, todavia, na maioria dos casos, tem sido desastroso, e não há como ser diferente, pois algo tão frio e impessoal, que visa apenas metas quantitativas, só pode gerar um adoecimento emocional e espiritual nas pessoas. Muitos são os casos dos que se queixam de estarem sendo submetidos a forte pressão para que metas de "multiplicação de membros" sejam alcançadas, como se a Igreja agora fosse uma empresa.

Jesus não nos mandou oprimir as pessoas, mas instou-nos a servi-las e amá-las. Nossa tarefa é encher o céu, e não a Igreja. Encher Igreja, sobretudo com gente vazia, é algo fácil. Com meia dúzia de "teologias da terra" o objetivo será alcançado. Mas, povoar o céu, com gente transformada, que compreende a graça e que viva de forma pacificada com Deus e com seus semelhantes, é tarefa apenas para quem quer ver o Reino de Deus crescer, e não o seu reino pessoal.


3- DISCIPULADO COMO UM PROGRAMA DE MANUTENÇÃO

Toda rotina gera fadiga, até mesmo nas coisas boas. Tenho observado que muitas comunidades se encantam com a possibilidade de começar um "programa" de discipulado. Analisam livros, escolhem métodos, criam uma "estrutura" e comissionam pessoas para a "execução da tarefa". Todavia, cedo-cedo, e, inevitavelmente, acabam se deparando com questões prementes tais como: o que é ser discípulo? O que se deve ensinar a eles? De que forma eles serão influenciados? Qual o objetivo deles estarem nas reuniões? A maneira de lidar com estas e outras questões, ao longo do tempo, definirá se a "coisa", como um todo, irá ou não rumar na direção de um "programa de manutenção".

O que é isto? É quando o discipulado, após alguns anos de funcionamento, torna-se apenas mais um "programa" da Igreja e, por isto, tem de ser mantido em funcionamento. Chega-se facilmente a esta situação quando a rotina se estabelece e o método se torna mais importante que a vida. Mesmo algo bom, como uma reunião caseira, com cânticos, orações, estudo e compartilhar, pode tornar-se algo extremamente "viciante", sem desdobramentos maiores, sem que as pessoas sejam de fato transformadas nos valores, conteúdos e caráter. Numa perspectiva mais ampla, o "programa" ou tenderá a se acabar, ou virará algo sem conseqüências práticas para a vida. Existirá sim, porém, cada vez mais, menos pessoas se interessarão por ele.

Jesus fez justamente o contrário, ou seja, transformou o método em algo prático e aplicável à vida. Jesus não chamou os discípulos para uma reunião na sua casa, nem para participarem de um estudo bíblico na sinagoga, nem mesmo para um grupo de comunhão aos sábados, dia reservado ao "sagrado". O convite foi para que pudessem experimentar o hoje, com todas as cores e intensidade de cada momento, na singularidade incomparável que há em cada dia. O chamado dizia respeito a se "provar" as dinâmicas da existência e, a partir delas, experimentar a verdadeira vida que deve ser sempre vivida em abundância.

4- DISCIPULADO COMO UM TEMA PARA MEDITAÇÃO
Quem já passou por um curso de pós-graduação sabe que um dos itens mais importantes para a formulação de uma tese é o arcabouço teórico, ou seja, o acréscimo ao texto principal do pensamento de diversos autores. Mas, uma boa tese, dificilmente se sustentará sem um "trabalho de campo", ou seja, sem as observações práticas que respaldem a teoria proposta. Pois bem, a mesma coisa pode ocorrer com o discipulado quando ele se transforma num tema para meditação, quase sempre contido nos objetivos de ensino da Igreja.

Com data de início e fim já demarcados - em alguns casos estabelece-se o tempo de três anos - o grupo passa a reunir-se com o objetivo de estudar um vasto cabedal de temas bíblicos e de autores diversos. Assim, o que deveria ser um estilo de vida a ser adotado, com pressupostos mais excelentes, acaba se transformando, apenas, num conjunto de conteúdos a ser "dissecado". Ao final do período proposto, cumpridas as "exigências", o membro do grupo torna-se um "discípulo graduado", ou seja, alguém que cumpriu uma espécie de jornada acadêmica, mas que, talvez, não tenha incorporado nenhuma prática à vida. Tiago nos adverte sobre o risco que há nesse proceder, quando nos diz: "tornai-vos, pois, praticantes da palavra e não somente ouvintes, enganando-vos a vós mesmos".Tg. 1:22.

Jesus não iniciou com seus discípulos um programa acadêmico fechado, mas, pelo contrário, criou uma grande escola da vida, aberta às pessoas, com sala de aula móvel, variando entre um lugar e outro, com conteúdos ensinados a partir das manifestações próprias da existência humana, sempre buscando harmonizar as pessoas ao mundo que as cercava e a Deus o Pai e Criador.

Mais afinal, então, o que é discipulado?

DISCIPULADO É A ESSÊNCIA DA MISSÃO.

Não há como entender algo sobre discipulado cristão se não olharmos para Jesus. Ele é a chave hermenêutica para todas as coisas e, a partir dEle, tudo pode ser discernido, até o próprio coração do Pai. É certo que as Escrituras Sagradas nos revelam alguns modelos de discipulado - Moisés e Josué, Elias e Eliseu, Paulo e Timóteo - mas a referência maior está no discipulado de Cristo.

Discipulado não é apenas um programa, apesar de ter etapas, nem um método, apesar de ter estratégias, nem mesmo um sistema, apesar de ter processos, mas é, antes de tudo, um estilo de viver para ser incorporado à vida. O ponto focal de tudo está no relacionamento. Jesus não chamou pessoas para manipular, nem criou estratégias para alcançar as massas e multiplicar "o bolo". Ele não estabeleceu uma rotina reciclável de entretenimento e nem fundou uma classe de estudos sistematizados. Tudo que aconteceu, aconteceu a partir da vida, nas relações travadas no dia a dia e nas oportunidades que foram surgindo a partir dos encontros humanos. Foi algo simples, mas extremamente poderoso.

Os vínculos e laços gerados, durante aqueles três anos de convivência com Cristo, foram tão profundos e marcantes que a vida daqueles que com Ele estavam nunca mais foi a mesma. Jesus ressuscitou, subiu aos céus, mas antes de sentar-se, definitivamente, à direita do Pai, esteve com Seus discípulos uma última vez, às margens do mar da Galileia. Na derradeira palavra do Senhor aos seus amigos, disse: "ide e fazei discípulos". E, de fato, eles foram...

Quando penso em tudo isto e olho para a grande comissão meu coração se enche de esperança e alegria. Sim, porque mesmo sem cursos, apostilas ou livros, mesmo sem recursos de fita K7, CD ou DVD, sem elaboração de estratégias, programas ou campanhas, os discípulos saíram pelo mundo anunciando as boas novas da salvação. De nada se fizeram acompanhar que não fosse vida. Sim, tudo se resumiu apenas a vida vivida com o Galileu, naqueles dias empoeirados na Palestina, onde a luz resplandeceu nas trevas de seus corações.


CONCLUSÃO

Discipulado é uma oficina de vidas! É uma tarefa árdua e que exige persistência. Muitas pessoas estão à nossa volta, todos os dias, precisando ser discipuladas. Algumas estão em nossa casa, outras no trabalho, ou na faculdade, e outras estão dentro da Igreja. Muitas delas acham que não precisam se submeter a isso, e outras, até que precisam, mas poucas serão as que tomarão uma decisão de ir além. Existe uma grande diferença entre precisar e querer e, isto, você verá por si mesmo...


O discipulador é um escultor do caráter de Cristo no caráter das pessoas. Ele é
alguém que entendeu que precisa ser uma referência na vida de outros a partir da vida que pulsa na sua própria vida. E isto leva tempo... E dá trabalho... Por isso, não espere moleza se quiser ser e fazer discípulos.

Jesus discipulou, de forma mais próxima, 12 pessoas. A Bíblia também fala dos 70, dos 120 e Paulo menciona os 500. Não sei quantos dá para formar numa vida, mas tenho a impressão de que, talvez, não sejam muitos. Se, todavia, nos empenharmos nesta tarefa, poderemos ver, ainda nessa geração, uma Igreja formada, em sua maioria, por discípulos do Senhor. Isso, posso lhe garantir, fará muita diferença...

Sola Gratia!

Carlos Moreira - www.carlosmoreira.com